O aniversário e o relançamento da obra requentada de um poeta goiano de nascimento e gamense de coração
Por Juan Ricthelly
José Gomes Garcia nasceu no dia 14 de Novembro de 1954 em São Simão no Estado de Goiás, sendo o quarto de nove filhos de Geni e Osvaldo. Nos primeiros anos de sua existência viveu com família na zona rural do munícipio, num lugar que hoje está submerso pela represa da Usina Hidrelétrica de São Simão, um marco divisor entre Goiás e Minas Gerais no Rio Paranaíba.
Iniciou a sua vida escolar aos 4 anos de idade como estudante clandestino na Escola José Feliciano Ferreira, não possuía a idade adequada para ser regularmente inscrito como aluno, ficava chorando em casa quando seus três irmãos mais velhos iam estudar, até que sua mãe fez um uniforme e começou a enviá-lo para estudar junto das outras crianças.
E ali começou a sua jornada de devoção e sacerdócio à leitura, quando aos 4 anos presenciou um jogral poético feito por estudantes numa atividade cultural escolar, não se recorda do texto, mas jamais esqueceu o nome das duas pessoas que o declamaram: Diógenes e Zé Pedro.
O contato com a terra fez parte da sua infância, tendo vivido anos marcantes na Fazenda Rio Preto com sua família, localizada em Quirinópolis-GO, onde cultivavam mandioca, batata, arroz e milho. No cultivo dos campos e plantações, trabalhando junto de camponeses teve um primeiro contato com a literatura de cordel, mencionando a obra “A história de Juvenal e o Dragão” de Leandro Gomes de Barros como um marco de sua iniciação.
Em 1º de Abril de 1964 um acontecimento que marcaria a história do nosso país, teve um impacto direto em sua vida, se recorda do pai chegando preocupado da cidade, ligando o Rádio Philco Transglobe de pilha, enquanto famílias que viviam em propriedades vizinhas chegavam para ouvir as notícias do dia, naquele fatídico dia os militares haviam tomado o poder, derrubando o Presidente João Goulart, iniciando uma ditadura que duraria 21 anos, marcada pela perseguição política, tortura, exílio, desparecimentos, censura, corrupção e aumento drástico das desigualdades sociais.
A vida da população ficou mais difícil, e nessa reviravolta política, o jovem José Garcia acabou virando boia fria na fazenda que um dia sua família foi proprietária. Aos 11 anos de idade já havia trabalhado como operário da construção civil e servente de obra.
Chegou em Brasília aos 14, tendo como primeiro endereço a CSB 4 Lote 7 em Taguatinga Sul, indo morar com um tio, João Gomes, que era comerciante de doces e picolés. Nesse período, aproveitou para retomar os estudos, iniciando um supletivo no Colégio Marista de Taguatinga. Nessa época teve contato com o teatro pela primeira vez, mencionando Grupo de Teatro Gruta e o seu diretor Bené 70, e o ator Ronald, num tempo em que as Músicas de Baile dominavam a cena musical da cidade.
No início da década de 70 sua família veio para Brasília, se alojando na Invasão do SESI Taguatinga, sendo transferidos para a Quadra 13 do Setor Sul do Gama, nessa época a Quadra 17 recebeu moradores de uma ocupação onde hoje é o Atacadão Dia a Dia do Gama, a nova quadra ficou conhecida como “Inferninho”.
Aos 17 ingressou na Aeronáutica com o propósito de ser aviador, não se ajustando à disciplina hierárquica acompanhada de humilhações promovidas por alguns militares, dessa época se recorda com carinho do Sub Tenente Augusto, um senhor com quem conversava e ouvia música popular brasileira.
Em 1974 conseguiu um emprego na publicidade de uma empresa que fazia retratos, se mudando para Porto Velho em Rondônia, descrevendo um verdadeiro cenário de faroeste. Nesse período viveu por seis meses no Hotel Cardoso, localizado na Avenida 7 e se recorda de ter assistido ao filme Sem Destino com Peter Fonda no cinema, ficando por lá apenas seis meses.
Voltou para Brasília, trabalhando por algum tempo numa fábrica de chicletes, frequentando assiduamente o Clube dos 200, que era o point da juventude na época. Por um acaso chamou a atenção do dono de uma retifica de motores automotivos, que o convidou para trabalhar com ele.
A empresa se mudou para Barreiras-BA e ele foi junto, virou gerente da Retifica Motores Forte, um negócio praticamente falido, que conseguiu reerguer firmando parcerias com o poder público, se comprometendo a consertar os motores em prazos recorde, ganhando notoriedade na comunidade local, ficando lá por dois anos, até ser demitido pelo dono.
Depois disso, passou um período viajando numa conexão entre Salvador/Barreiras/Brasília como um Merchant hippie de artesanato, viajando e pegando carona das estradas, comprando e revendendo obras de arte, chegando a ter um depósito de peças no Taguacenter.
Algum tempo depois trabalhou na programação da TV Brasília e na produção do programa Ao som da Viola da TV Nacional, nessa época conheceu Rênio Quintas, dando início a uma amizade que dura até os dias de hoje.
Em 1982 se mudou para a cidade de São Paulo acompanhado de Doroty e Décio Marques, tendo como endereço um casarão na Rua Ministro Godoy 1563 no Bairro de Perdizes próximo à PUC-SP, sua casa virou um point cultural e boêmio que era frequentada por Zé Geraldo e vários artistas, era frequentador dos programas de auditório de Rolando Bodrin, onde certa vez se encontrou com Cora Coralina.
No ano de 1984 foi para Belo Horizonte, fazendo parte de uma comunidade alternativa majoritariamente composta por professores e artistas, ficando responsável por um sítio localizado na zona rural de Betim, trabalhando como artesão de roupas.
Voltou ao Gama em 1986 tocando uma serigrafia de camisas indianas localizada no Setor Sul, nessa altura da sua vida já era uma pessoa conhecida no meio artístico, foi mais ou menos nessa época que iniciou um projeto de oficina literária numa parceria com a Secretaria de Cultura, que seria o embrião da Banca de Poetas, o projeto CORPOEMA foi realizado com Simão de Miranda e tinha a proposta ser uma oficina sistémica capaz de ensinar a ler o mundo por meio da literatura, tendo duas edições que contaram com a participação de nomes notórios na cultura gamense como Walter Sarça, Marco Derru, Hamilton Gonzaga, Valdeci Moreira, Wellington Rocha e Laércio Nicolau.
Depois dessa experiência passou algum tempo viajando como artesão pelo país, chegando até a cidade de Buenos Aires na Argentina com o seu trabalho.
Na década de 90 tocou o PROJETO CACHOEIRA contando com a participação e apoio do saudoso Carlinhos Piauí, reunindo pessoas da comunidade na Cachoeira da Loca na Vila Roriz, com o mote “Faça chuva ou faça sol!” todo domingo às 9h da manhã. Chegando a receber a visita do escritor Paulo Lins, autor do livro Cidade de Deus.
Em 1995 no Governo Cristovam foi nomeado como Diretor da Prainha aplicando na sua gestão os aprendizados adquiridos em suas viagens pelo Vale do Jequitinhonha, promovendo a participação da comunidade e escolas, chegando a fazer um Encontro de Bebês no local numa parceria com o Hospital Regional do Gama. Ocupou esse posto por 2,5 anos se opondo ferrenhamente a medidas do governo que considerou um ataque ao meio ambiente, como a construção de uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) próxima à Prainha.
Seria pai de seu primeiro e único filho em 1996, João Sol. Com o passar dos anos adotou como filha a angolana Marisol Kadiegi.
Também se aventurou em um negócio em parceria com outros dois amigos, sendo o idealizador e dono do Casa de Saúde, um bar cultural localizado no Setor de Indústrias que foi durante algum tempo o principal point cultural do Gama.
Foi produtor cultural da Buscapé Produções – Ações Culturais e Ambientais produzindo shows no Gama de Ângela Ro Ro, Belchior, Zé Geraldo e João Bá.
Nos anos 2000 viria nascer a Banca de Poetas com a proposta de formar um público literário, acontecendo toda quarta feira ao ar livre na galeria do BRB no Setor Comercial Sul do Plano Piloto, contando com a participação de Jairo Mendonça, Chico Nogueira, Paulim Diolinda e outros.
A Banca de Poetas está ativa até os dias hoje promovendo a leitura e a apreciação da literatura por meio do teatro literário. A sua atuação se baseia na expressão dramática, na palavra escrita e na experiência sensorial proporcionada pela encenação. O trabalho inspira-se no modo de fazer teatro de Augusto Boal e tem uma vocação especial para o público infantil, mas também encanta jovens e adultos. É uma iniciativa que leva o teatro literário, a troca de livros e a educação ambiental para onde é convidada. O seu objetivo é promover a leitura como instrumento de transformação social.
Em 2010 lança a sua primeira obra literária a novela “Todo muito é muito bom, mas meu casaco sumiu”, numa época efervescência cultural, no auge dos escândalos do Governo Arruda, num evento no Açougue Cultural T-BONE no Plano Piloto.
O título da obra tem origem numa história real que ouviu certa vez de seu amigo e jornalista Carlinhos Canalha, que contou sobre um episódio onde sua mãe, Dona Esmeralda, ganhou um belíssimo casaco londrino de um parente, que amava exibir em toda oportunidade que tinha. Ao participarem de uma festa o casaco havia sumido, iniciando uma busca desesperada por parte dos presentes, que não o encontraram, até que a dona da casa disse:
“Fique tranquila Dona Esmeralda, todo mundo aqui é muito bom, nós vamos encontrar e devolver o seu casaco!”
Ao que ela respondeu indignada:
“Todo mundo é muito bom, mas meu casaco sumiu!”
Segundo relatos, até hoje Dona Esmeralda não encontrou o seu casaco desaparecido.
No dia 16 de novembro nós vamos comemorar o aniversário e a vida do poeta José Garcia Caiano, carinhosamente conhecido como Dedé, no Premium Cozinha e Bar na Quadra 44 do Setor Leste do Gama, com shows de Célia Porto e Rênio Quintas, Tribo das Artes e apresentações de poetas e artistas convidados, aproveitando para fazer o relançamento da obra que será vendida e autografada no local, no que o próprio autor chama de obra requentada.
Convidamos você e sua família para participar dessa importante atividade cultural, que possui o propósito de homenagear em vida, um dos ícones da cultura da nossa cidade, com muita música, poesia, literatura e histórias.
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