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Foto do escritorJuan Ricthelly Vieira da Silva

POR ONDE ANDA O CLASSISMO?

Por Juan Ricthelly


Marx definiu a luta de classes como a força motriz da história humana, o combustível da mudança do mundo social.


Infelizmente a nossa concepção de classe e sociedade ainda é eurocêntrica, tendo em vista que o colonialismo europeu destruiu uma infinidade de culturas e suas configurações sociais, nos privando assim de conhecer outras opções.


As revoluções burguesas demoliram uma estrutura social fortemente fundamentada em títulos e hereditariedade, com a possibilidade de mobilidade social extremamente limitada, sendo importante mencionar que esses fundamentos ainda persistem de alguma forma nos dias de hoje, levando em conta que a acumulação de riqueza ao longo de gerações pela mesma família segue ocorrendo, com os descendentes herdando esse montante por meio do nome da empresa ou dos negócios da família ao invés de títulos nobiliárquicos.


E ao longo dos conflitos sociais que começaram a surgir, após às Revoluções Francesa e Industrial, que sacudiram o mundo, mudando a dinâmica social, emergindo a burguesia como classe dominante, enquanto a nobreza submergia.


Uma coisa era nítida para os teóricos, intelectuais e políticos que questionavam essa nova ordem, a de que a divisão de classe seguia viva, mais viva do que antes até, a antiga plebe romana que antes confrontava com os patrícios, e que seguiu viva e dispersa pelos escombros do Império Romano, de onde nasceram os estados nacionais europeus, agora era o proletariado, submetido a um regime de produção voraz que os consumia da mesma forma que as pás de carvão eram consumidas pelas fornalhas das fábricas.


E essa percepção dos trabalhadores como classe social explorada e despojada de sua força de trabalho para o acúmulo de riqueza por outra classe, foi a centelha que tornou possível a união desses mesmos trabalhadores, por meio de sindicatos, associações, cooperativas e organizações internacionais de trabalhadores, para lutarem por melhores condições de vida, de trabalho e pelo sonho de um mundo diferente.


Partindo desse princípio, uma sequência histórica de conquistas foi alcançada, tendo como auge a Revolução de Outubro na Rússia, onde pela primeira vez na história, a classe trabalhadora havia tomado o controle de um país por meio dos sovietes. Não vamos aqui entrar nos detalhes desse momento histórico, pois o objetivo é abordar o aspecto classista da questão, e não fazer uma análise da Revolução Russa e os seus desdobramentos.


E ao longo dessa jornada histórica, essa mesma classe foi percebendo que para além de questões salariais, trabalhistas e sociais, havia outras questões estruturantes, vigentes no sistema capitalista que precisavam ser questionadas e combatidas, visto que elas se reproduziam até mesmo dentro da própria classe trabalhadora, por meio do racismo, do machismo e da homofobia, entrando as pautas anti opressão, que alguns chamam de identitárias, no grande tabuleiro da disputa política.


A disputa agora se dá em dois eixos centrais. Sendo um eixo econômico onde segue a disputa iniciada lá atrás sobre o papel do Estado, da economia e da produção perante os indivíduos, havendo um forte protagonismo do Deus Mercado, seus filhos e sacerdotes, por meio da pregação dos dogmas neoliberais. E outro eixo valorativo, expresso na pauta moral, tendo de um lado conservadores, defendendo uma agenda moral enraizada no Levítico do Velho Testamento, e do outro, progressistas, inspirados na tradição liberal clássica, onde o único limite para a liberdade de um indivíduo, deve ser a liberdade de outro indivíduo.


Trazendo esses eixos para o Brasil, e dando um salto histórico para o presente momento, tendo em mente que como país, somos o produto de uma colônia de exploração, fundada por meio do genocídio dos povos originários que aqui viviam, da escravidão e exploração impiedosa de negros, da miscigenação forçada por meio de estupros, e da tutela das forças armadas no sistema político nacional, que já deu mais golpes que a quantidade de estrelas de um general, chegamos aqui! E até o momento, somos a obra prima máxima produzida por esse circo de horrores em espetáculo ininterrupto há 519 anos!


E algumas considerações se fazem mais que importantes para contextualizarmos e chegarmos ao propósito desse texto, que não escrevo para quem não gosta de ler textos longos.


Desse modo, gostaria de colocar quatro atores políticos nacionais importantes sob os holofotes para analisarmos alguns de seus aspectos mais visíveis, as Direitas e as Esquerdas (que vou me referir no singular), o Povo e a Grande Mídia.


A Direita é um conceito abstrato, já que esse campo político possui variações distintas, indo de moderados à radicais, mas suas características mais marcantes no eixo econômico são a defesa de um Estado Microscópico, a liberdade absoluta para às empresas e para o Mercado, flexibilização das relações trabalhistas em benefício dos patrões, uma concepção utópica de meritocracia e a promoção de valores individualistas, sendo privatista e neoliberal, já no eixo valorativo, é conservadora, tendo uma postura hostil aos Direitos Humanos, defendendo uma concepção de família tradicional (papai, mamãe, filhinhos e no máximo um cachorro ou gato), submissão feminina, perseguição à professores por meio do Escola sem Partido, revisionismo histórico da Ditadura Militar e radicalização da violência estatal para lidar com os problemas da sociedade como um todo.


A Esquerda também é um conceito abstrato, sendo um universo em si mesma, possuindo tantas variações e fragmentações quanto às estrelas da Via Láctea, os grãos de areia dos Lençóis Maranhenses e as gotas d’água do Lago Paranoá, sendo que no eixo econômico, defende uma agenda estatista, regulamentadora da atividade privada, mais impostos sobre ricos e atividade econômica, programas sociais e um Estado forte e presente na economia, no eixo valorativo é progressista/liberal, tendo como bandeiras a promoção dos Direitos Humanos, a equidade salarial e de direitos e deveres entre homens e mulheres, políticas afirmativas como meio de mitigar desigualdades sócio raciais históricas, demarcação de terras indígenas e quilombolas, reconhecimento de direitos e garantias para homossexuais, domínio das mulheres sobre seus corpos e suas vidas, proteção do meio ambiente e etc.


O Povo, é uma massa difusa composta por aproximadamente 208 milhões de pessoas, majoritariamente feminino, com nuances regionais, étnicas, culturais e sociais, sendo também uma concepção amplamente abstrata, é insano se referir à milhões de indivíduos como se fossem uma coisa só. E diante de tamanha abstração, nos arriscamos a fazer uma análise tão abstrata quanto o objeto analisado, afirmando que no eixo econômico a maioria do Povo, se identifica com a concepção estatista da Esquerda, e que no eixo valorativo, a maioria se identifica com a concepção conservadora da Direita.


A Grande Mídia, é talvez o ator político mais concreto dessa análise, por estar sob a propriedade de poucas famílias e se resumir à uma quantidade mínima de meios de comunicação de massa. Também sendo o único ator político liberal no eixos econômico e valorativo, defendendo de um lado uma concepção neoliberal e privatista da economia e por outro uma concepção progressista na pauta moral, causando o fenômeno inusitado de ser acusada de ser esquerdista pela Direita e de ser de direita pela Esquerda, sendo importante fazer uma observação sob esse aspecto, entendendo que o núcleo jornalístico da grande mídia, tendo como símbolo máximo a Rede Globo, se identifica com a agenda econômica da Direita, e que o núcleo artístico-cultural se identifica com a agenda moral da Esquerda.


Ou seja, de modo geral temos uma Direita privatista/conservadora, uma Esquerda estatista/progressista, um Povo estatista/conservador e uma Mídia privatista/progressista. E o debate político se dá nesses dois eixos que mencionamos lá atrás e contextualizamos com a nossa realidade política e social.


E nessa dinâmica, acontece que a Esquerda praticamente abandonou o eixo de contato que possui com o Povo e resolveu partir de peito aberto para o campo de batalha onde a Direita possui a hegemonia do discurso, sendo que a Direita apela de forma baixa e simplificada para o aspecto emocional das questões debatidas, e a Esquerda insiste num discurso extremamente racional e numa linguagem que a maioria das pessoas não compreende.


Então enquanto a Esquerda segue na fundamentação teórica do homem branco hétero cis para pessoas que não se enxergam nessa concepção de estereótipo do inimigo, a Direita está lá dizendo que se a política de drogas for relativizada, nossas crianças vão se drogar na porta das escolas, que se insistirmos na ‘destruição da família tradicional’, nossas crianças vão ser ensinadas a serem homossexuais enquanto estudam biologia, que se legalizarmos e descriminalizarmos o aborto, nossas crianças serão assassinadas no útero, e isso tudo sem apresentar qualquer dado estatístico ou fundamentação, só no gogó e no forte apelo emocional.


A Esquerda esqueceu da sua incrível habilidade de demonstrar e explicar os Raio-X do sistema econômico e social, explicando para pessoas pobres, fodidas e exploradas, que elas são pessoas pobres, fodidas e exploradas numa linguagem acessível, trabalho esse, fundamental para a formação da consciência de classe no âmbito social, depositando boa parte de suas energias numa revolução cultural à fórceps, ignorando o aspecto conservador de nossa população, que segue sendo divinamente instrumentalizado pela Direita, contribuindo para a formação de uma maioria social conservadora, que por sua vez se converte em maioria política, com força para modificar o eixo econômico a favor do neoliberalismo e redução do papel do Estado na esfera econômica.


Insistindo não poucas vezes uma abordagem agressiva e forçada, que cria um campo de força resistente a qualquer coisa que a Esquerda diga ou formule fora do eixo valorativo, numa arrogância academicista e pequeno burguesa, que adota a postura onde é a plateia é quem deve se adequar ao discurso e não o contrário.


Não estamos dizendo aqui que as pautas anti opressão/identitárias devam ser abandonadas em detrimento da pauta classista, apenas que elas devem ser integradas de um modo que não faça sentido discutir uma sem a outra, até porque não faz mesmo.

Pois assim como o classismo sem levar em conta às lutas contra o machismo, a homofobia, o racismo e a destruição do meio ambiente, é mero reprodutor das opressões do sistema vigente, tão vazias seriam as pautas anti opressão desacompanhadas do aspecto classista, sendo presas fáceis de oportunistas que facilmente sequestrariam essas bandeiras.


O classismo é o fio condutor capaz de conectar todas as lutas numa grande luta contra o sistema, sem isso, às demais lutas se convertem bolhas com isolamento acústico, com eco restrito ao seu espaço e público já convertido. A consciência de classe é o elemento primordial e capaz de unir todos os indivíduos independente de suas identidades.


De que adiantaria enchermos os parlamentos do país com maioria de mulheres se elas tivessem os perfis de Janaína Pascoal e Joice Hasselman? De homossexuais e negros como Fernando Holiday e Clodovil? De pretensos ambientalistas com a mentalidade ecocapitalista do PV? Ou de veganos como Dado Dolabella?


A representatividade política de todos esses seguimentos obviamente ganharia, mas em todos eles a representatividade da classe trabalhadora perderia. Logo, não basta ser mulher, homossexual, negro, ambientalista ou qualquer outra coisa, se ao mesmo tempo não se for classista.


Afinal, por onde anda o classismo?


24 de Junho de 2019

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